terça-feira, 29 de julho de 2008

LITERATURA-PRODUÇÃO TEXTUAL

LITERATURA-PRODUÇÃO TEXTUAL-RESENHA CRÍTICA.

Apresento, aqui, neste espaço de compartilhamento de produções de nossa turma, duas resenhas críticas que fiz sobre duas grandes obras da literatura brasileira: O GUARANI, de José de Alencar, e QUINCAS BORBA, de Machado de Assis. Aguardo a participação de todos, esperando ter contribuído de alguma forma para o blog.



O GUARANI


Em “O Guarani”, a literatura adquire a função de formadora da identidade nacional, de redefinição do homem brasileiro, ainda carente de matriz própria alimentadora de seu caráter cultural e social, cujos valores, ainda atrelados ao país colonizador, eram agentes impedientes de uma identidade nacional autônoma. É um romance de auto-afirmação brasileira, que busca no índio e no português, nessa mistura de raças e povos com espíritos guerreiros, valorosos e vencedores, o homem genuinamente brasileiro. Pelo menos é essa a visão idealizada que o romance, propositadamente, tenta transmitir. “O Guarani” é um romance histórico, pois busca em relatos reais a respeito da natureza e do povo indígena, a moldura onde se enquadram seus elementos míticos e ideológicos. A gestação do caráter do homem nacional com valores próprios passaria, na visão de Alencar, por essa mistura salutar do valoroso homem português com o destemido indígena, delineando, assim, o caráter e a identidade nacionais. Alencar valeu-se de relatos históricos de cronistas, missionários e viajantes para dar vida ao cenário da história, mas também para que o leitor da obra pudesse identificar como sendo verdadeiros, ou próximos da verdade, aqueles personagens descritos no livro, para que estes pudessem ser mais facilmente identificados como sendo, de fato, parte de nossa história. O processo de consolidação da imagem nacional deveria estar, então, fundamentado no processo histórico.
Dom Antônio é o homem português forte, que cultiva valores e princípios éticos e morais cristãos, dotado de uma autoridade natural que o sangue nobre português lhe confere, além de uma educação formal e sólida. Peri, o indígena honrado, igualmente estruturado nos valores do seu povo, leal aos seus princípios e costumes. Um nobre genuinamente brasileiro. Esse é o desenho correto, tanto do índio quanto do português, que Alencar quer que o leitor absorva. “O Guarani” é uma obra recheada de simbolismo, todos apontando na direção do nascimento do Brasil. A realidade do índio do romance deu vida a uma percepção diferente daquela que existia até então dos povos chamados de primitivos no Brasil, que era a de que estes eram selvagens e não civilizados. Como na obra aqui analisada, Alencar propõe a formação de uma identidade nacional passando pela reedificação de um novo índio, este deveria ser, necessariamente, de elevado conceito. Alencar propôs-se a nobilitar o índio. E também devido a esta necessidade de formação de uma identidade nacional é que Alencar apegou-se na verdade histórica, a fim de dar veracidade e credibilidade a estes caracteres fundamentais que serviriam de novo desenho da nação. Tal verdade histórica foi extraída de fontes fidedignas e documentos autênticos, não podendo, portanto, ser posta em dúvida. O novo brasileiro seria, portanto, um ser de elevado grau de honra e grandeza, uma mistura de povos de valores superiores, conferindo, assim, à nação, uma estima por si mesmo que esta jamais havia experimentado. “O Guarani” não apenas tentou resgatar as origens do país, como também redefinir o espírito de seu povo, conferindo a este uma uma identidade própria e nobre. Tudo isso muito conveniente para um orgulho nacional inexistente até então.




QUINCAS BORBA
-“Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrerão de inanição. A paz, neste caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí, a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais efeitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, o ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas !”
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Eis aí a doutrina criada pelo personagem que dá nome ao romance, sobre a qual se estabelece toda a história do livro, instruindo seus personagens a se apresentarem ao leitor como peças de um jogo frio e mecânico, onde o que sobrevive é o mais forte, e ao mais forte cabe a recompensa merecida, e a qualquer que aja como sendo fraco e ingênuo, que acredite na expressão sincera dos sentimentos e das emoções, e ignore a frieza do raciocínio pautado por objetivos claros, ainda que escusos, resta o dever de resignar-se com a derrota e de aceitar a indiferença e crueldade dos vencedores.
A doutrina do Humanitismo, de Quincas Borba, permeia todo o romance. O homem como sendo vítima e algoz de si mesmo, o homem lobo do próprio homem, a moral reduzida ao interesse e à paixão, o instinto de conservação ou, mais exatamente, de afirmação e de crescimento de si próprio; esforço próprio a todos os seres para unir-se ao que lhes agrada e fugir do que lhes desagrada, o materialismo e o mecanicismo conduzindo a mente humana e moldando o comportamento do indivíduo, a lógica cruel, mas precisa, de que os fortes são justos e vencedores, e os fracos, culpados e inúteis, inadaptados ao evolucionismo frio que condiciona o homem. Tais conceitos e doutrinas encontram-se na história de Rubião, que, inadaptado ao mundo racional e mecânico, vê-se envolto pela loucura e pisado por seus iguais, uma vez que era fraco demais na lógica pragmática e indiferente do humanitismo, que define o homem como sendo menos importante que a humanidade em si, e a vida maior que a morte, ainda que esta ceife de alguns seu lugar nesta existência. O que importa é a continuidade da evolução. “’Ao vencedor, as batatas”. O ensinamento de Quincas Borba é observado na história como sendo uma espécie de paródia do positivismo.
O capitalista Cristiano Palha fez uso de seu racionalismo pragmático aplicado a seu interesse pessoal de usurpar os bens de Rubião. Cristiano fez a vez do forte, vencedor na escada da evolução, o mais adaptado ao ambiente o mais preparado para lidar com as circunstâncias, de usar os elementos do meio como escada, suporte, como ferramenta de construção de seu destino. Já Rubião, o papel do fraco, derrotado, escravo dos sentimentos, inconsciente sobre o poder da razão e vendado para a indiferença gélida que a vida tem por aqueles que são inertes e ingênuos. A loucura da qual Rubião vê-se vítima é a face mais evidente dessa fraqueza que faz dele um derrotado. Rubião comprova, ao longo da história, a tese do Humanitismo de Quincas Borba, perdendo toda a fortuna herdada e deixando-se usurpar pelo casal ganancioso que age fria e conscientemente com o objetivo de enriquecer.
A história nega completamente o subjetivismo romântico ainda em vigor na época da feitura da obra, colocando o ser humano como peça de um jogo frio e lógico, imune aos apelos emocionais dos homens suscetíveis às fraquezas da condição humana atrelada aos sentimentos primitivos, porém indissociáveis de qualquer indivíduo. A crítica aos valores burgueses, fortemente enraizados no casal Cristiano e Sofia, também é voraz, incisiva e penetrante, minando os alicerces que sustentavam a percepção da sociedade burguesa como sendo correta, íntegra e inatacável.
Os personagens de “Quincas Borba”, sua história e seu desfecho golpeiam violentamente contra o a visão romântica de mundo, na qual, maior e mais forte que os condicionamentos naturais do indivíduo e seus impulsos biológicos, seriam suas virtudes e seu caráter, estes frutos de uma semente pura enraizada no interior de todo indivíduo de valor. Em “Quincas Borba”, os extremos que se opunham nas obras literárias românticas encontram um meio termo comum a todos, e não há mais mocinhos nem bandidos, heróis nem vilões, apenas seres iguais, condicionados pelo meio e pela biologia, tendo na vida a oportunidade de gozá-la como vencedor, ou de amargá-la como um derrotado. O homem em “Quincas Borba” deixa de ser divino ou maldito, e passa a ser, simplesmente, humano.

Claudio Fernando Borrelli
mrflawless85@gmail.com

6 comentários:

Anônimo disse...

Muito boas suas resenhas... Parabéns.
Kizy

Anônimo disse...

É uma pena que o indio, somente é valorizado dentro da literatura brasileira, e serviu como cobaias de experimentos de grandes autores literários, sobrando ao indio nada, nen mesmo direito a terra, que até hoje, eles lutam pelos seus direitos.

Anônimo disse...

essa resenha, nos propoem a refletir, o lado mais eficaz da vida que é, o "ser humano". Portanto toda essa indiferença nos deixa perplexos quando se fala de Índio, pois o Índio, foi quem nos deixou a matéria prima da literatura, não por escrito, mas em seus canticcos, onde o sentimento estava oculto naquilo que ele realmente mais representa,ou melhor, o que era sagrado, diante de toda humanidade. Na verdade o Índio tem um grande valor que é percebido somente quando alguem se propoem a falar dessa obra "O GUARANI" que é vista pelos autores como verdadeira obra da identidade nacional.

Vale1! Claudio. um abraço;

Seu Seu Valter

Anônimo disse...

Claúdio eu já li as duas obras e achei-as magníficas. É o que se pode dizer de clássicos da literatura como esses. Agora, após essa resenha posso dizer o quanto de bom ganha-se quando se lê verdadeiras obras literárias.

Abraço lúcia

Anônimo disse...

muito bom

Anônimo disse...

muito bom